TRAMA 1 – Novo ano, novos problemas

Alphaville, 31 de Dezembro de 2017

As festas de Réveillon tomavam conta do bairro nobre de Barueri, na Grande São Paulo. Pudera, faltavam minutos para a chegada de um novo ano. Entretanto, dentro da Torre Patriota, Jorge Campos, o diretor dos Protetores, mantinha-se debruçado sobre vários papéis, com várias informações sobre novos despertos. A sua direita, uma jarra vazia de café e um copo sujo do líquido negro adornavam sua mesa, enquanto um notebook tinha suas teclas esfoladas de tanto serem utilizadas à esquerda.

Jorge, então, pôde ouvir um bater suave na porta. Avisando que estava aberta, ouviu o ranger das dobradiças acusarem a entrada de Júlia Xavier, a Eclipse, trajada com um belo vestido branco, combinando com sua pele negra macia e seus olhos castanhos. Jorge via uma bela flor presa ao cabelo afro de Júlia, e via que ela carregava uma garrafa de uísque em mãos.

— Jorge, pelo amor de Deus... deixe isso um pouco de lado e venha comemorar o ano novo conosco! Estão todos esperando lá em baixo e...

Jorge levantou a mão, pedindo para que Júlia se calasse. Sua concentração era intensa, o som das teclas gritando conforme eram pressionadas interrompia o silêncio da sala. Júlia caminhou um pouco, sentando-se numa cadeira diante da mesa de Jorge, e colocando a garrafa sobre os papeis, fazendo-o parar de digitar.

— Achei que iria me ignorar aqui, Protetor...

— O que quer, Júlia? Estou meio ocupado agora e...

— Típico. Você sempre está ocupado, Jorge. Quando não é buscando novos despertos, é criando essa porcaria de banco de dados. Nem no Réveillon? Sério?

— Não, é que... bom, acho melhor você ver por si só.

Jorge girou o notebook, virando a tela na direção de Júlia. O display brilhante mostrava um banco de dados com vários nomes, bem como tipos de poder, data que despertou, entre outras informações.

— Ehm... o que é isso, Jorge?

— Estou passando para o computador toda a pesquisa que vim fazendo nesse ano, Júlia. Coletei dados de várias épocas, e percebi um padrão que me assusta... — ele puxa uma caneta, e começa a apontar para a tela do notebook. — A taxa de novos despertos sempre manteve-se constante, haviam, no máximo, 10 por ano, 20 talvez. Entretanto, de 2014 pra cá, esse número só vem subindo!

Júlia cerra os olhos, vendo todos os números expostos na tela do notebook e notando a representação gráfica, com a linha disparando após 2014. De imediato, seu semblante mudou, indicando uma preocupação.

— Pelo que entendi, foram 35 em 2014, 42 em 2015, 61 em 2016... e em 2017?

— Isso que me preocupa, Júlia. Não terminei ainda de colocar todos, mas já passou de 200!

Ela arregala os olhos. Entendia o que aquilo queria dizer. E entendia a gravidade do problema.

— Acho que você entende o meu estresse... se tivemos isso em 2017, que já foi um ano difícil para nos mantermos ocultos, imagine como será 2018!

— Talvez tenhamos que nos preparar... — ela olha bem nos olhos de Jorge, tocando-lhe o ombro. — Todos nós sabemos que esse dia chegaria logo.

— Mas eu queria que, quando esse dia chegasse, nós já tivéssemos como nos garantir vivos. O Controle está cada vez mais apertando as coisas, e 2018 promete ser um ano bem pior nesse quesito. E, basicamente, só vocês quatro estão formados...

— Não se esqueça que eu não sou uma desperta, Jorge.

— Sim, eu sei, mas, fora você, apenas temos Defensor, Combustão e Relâmpago... eu temo que não seja o suficiente. Os alunos estão levando tempo demais para chegarem a um nível alto, isso quando eles não acabam...

— Não se culpe pelas mortes, Jorge. Culpe o Controle. Aquela agência anda cada vez mais agressiva.

— Sendo sincero, Júlia... eu entendo eles. Sou desperto e estou com medo das estatísticas. Imagine como eles, humanos, estão. Eu tenho medo do que pode acontecer quando a barreira entre despertos e humanos for quebrada...

Silêncio. Longos segundos se passaram. Ambos pensavam nas possibilidades, até que Júlia levantou-se e buscou dois copos dentro de um armário localizado na sala de Jorge. Rapidamente, ela abasteceu os recipientes com doses de uísque, entregando um deles ao diretor.

— Dizem que beber é a melhor forma de esquecer os problemas, hehe...

Jorge sorri, brindando com Júlia. Os ponteiros do relógio cada vez mais se aproximavam da meia-noite, prontos para iniciar aquele que poderia ser o ano derradeiro para os dois mundos.

— Espero que 2018 seja um ano bom — diz Jorge, tomando a dose inteira num gole só.